Há muitos anos me lembro de pensar ter descoberto a característica mais importante da personalidade de Paulo de Tarso. Jovem ainda, fascinavam-me todos os aspectos da vida do venerável apóstolo, e em que pese esse fascínio persistir até hoje, já não sou tão pretensioso a ponto de imaginar que possa compreendê-lo em seu todo. Tal tarefa, penso eu, exigiria tempo, persistência, estudo, exercício e paciência compatíveis com várias encarnações, e não com as pouco mais de duas décadas de existência com que eu contava quando tive esse devaneio.
E qual foi minha “brilhante” descoberta naquela época? Eu pensava ter desvendado que era a integridade a característica determinante do apóstolo. Mesmo quando preso às ideias de destruição do Cristianismo, Paulo sempre foi muito íntegro, e em sua integridade era absolutamente fiel aos seus ideais. O próprio Estêvão reconheceu essa característica em seu leito de morte, lembrando que Paulo seria uma grande adição às hostes do Cristo quando viesse a conhecer o caminho benfazejo. E a integridade de Paulo realmente o fez enxergar a grandeza de Jesus e adotar suas ideias, levando adiante uma tarefa que de dimensões quase desproporcionais para um indivíduo só.
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Fiquei bastante surpreso, contudo, quando perguntei a um grande amigo qual a opinião dele sobre a característica determinante de Paulo. Ele me respondeu sem titubear: sua capacidade de auto-perdão. E por mais que eu relutasse à época, hoje percebo que esta é outra característica fundamental de Paulo. Aliás, hoje estou certo de que o apóstolo tem muitas dessas qualidades determinantes, e que não é possível defini-lo com apenas uma delas, ou mesmo com várias.
Mas voltando ao auto-perdão, à capacidade do indivíduo de olhar para além de seu erro e de continuar em frente sem se paralisar nas teias do remorso, é indiscutível o valor dessa atitude não só para Paulo de Tarso, mas para cada um de nós. Ao entrar em contato com as verdades do Cristo, Paulo bem poderia ter caído em um sentimento de culpa por suas ações contra Estêvão e pela perseguição indevida ao Cristianismo nascente. Mas não, confrontado com a verdade, teve a capacidade de compreender que seus erros eram fruto de uma mentalidade anda incapaz de lidar com as verdades eternas, e foi racional o suficiente para procurar nas ações do futuro a corrigenda para os erros do passado. O resto, como dizem os americanos, é História.
E quantas vezes não somos surpreendidos por essa lição de Paulo de Tarso em nosso dia-a-dia? Aqueles que trabalham com auxílio a irmãos em desequilíbrio muito frequentemente vão encontrar a falta de perdão a si mesmos como cerne dos problemas que enfrentam. E em nosso próprio íntimo vamos encontrar situações que ainda nos corroem por não termos conseguido ainda ultrapassar as barreiras da culpa. Inúmeras são as situações nas quais nos responsabilizamos e essa atitude nos tolhe a ação que poderia resolver a situação.
O resultado dessa triste conduta é que focamos nossa atenção exclusivamente no problema, nos negando a oportunidade de buscar a solução. “Cristalizamos” nosso pensamento no erro, remoendo o tempo todo o acontecimento, nos martirizando a cada passo do caminho num périplo sem propósito e sem resultado. E quando enxergamos nos outros um olhar ou uma atitude de reprovação dirigidos à nossa pessoa, o que deixamos de perceber é que somos nós mesmos a nos condenarmos em primeiro lugar.
E lá está Paulo, a confrontar a verdade excelsa do Cristo na estrada para Damasco a nos ensinar o caminho a seguir. Sem dúvida foi sua integridade que, diante do Cristo, o fez perceber o erro de suas ações. Mas foi sua capacidade de perdoar-se que o livrou das garras da inércia do remorso e da culpa. Hoje, vinte séculos depois, a obra maravilhosa do apóstolo é um testemunho de como a capacidade de perdoarmo-nos é fundamental para quem quiser seguir o caminho Cristão.