Uma das inúmeras coisas que a Doutrina Espírita me ensinou é que as poucas vezes em que ajo adequadamente em algum aspecto em minha vida — algum mal que evito cometer, algum bem que proporciono a outrem, alguma melhora (muito, mas muito necessária mesmo) em minha paciência, alguma aula ministrada nos cursos preparatórios que tenha sido particularmente esclarecedora e bem aplicada, etc. — esse “acerto” não merece aplausos externos ou internos, por ser na vasta maioria dos casos menor do que o que eu deveria ter feito. Penso que nossa programação prévia, aquela que precedeu a presente incursão na carne, tenha contemplado muito mais em termos de acertos e realizações do que em geral conseguimos amealhar ao longo da vida.
É nesse sentido que creio que os aplausos e as homenagens a que algumas vezes gostosamente nos submetemos deveriam ser repensadas (e veementemente repelidas), ainda que nossos amigos e correligionários se vejam na obrigação de fazê-las, às vezes prestando reconhecimento a uma vida inteira de dedicação à causa Espírita e ao caminho Cristão. Essas massagens no ego não somente são inúteis, como também são prejudiciais, insuflando-nos a vaidade, dando-nos um destaque imerecido, e sutilmente (e muitas vezes inconscientemente, é verdade) dando-nos um falso senso de superioridade. É desnecessário (sem falar em desumano) citar exemplos, mas a casuística demonstra que tais situações indesejáveis ocorrem, e com frequência no meio Espírita.
(Para ler o restante desse artigo, clique no botão abaixo)
O interessante é que as instruções acerca do malefício de tal conduta — o regozijo ou mesmo a busca do elogio, do reconhecimento — são abundantes na obra Espírita. O chamamento à humildade, na verdade é até bem mais antigo, vindo diretamente das palavras e dos exemplos do próprio Cristo. O Livro dos Espíritos nos coloca em nossos devidos lugares, por assim dizer, ao nos dar a verdadeira dimensão de nossa ignorância e de nossa dependência do auxílio do Mais Alto. De outra feita, o exemplo daqueles espíritos verdadeiramente grandes também não nos falta. Todos eles nos mostram que em suas passagens pela Terra rejeitaram as homenagens e as altas contas, e aqueles que em algum momento sucumbiram à vaidade voltam para nos mostrar que tal invigilância tem seus efeitos negativos, sempre. Entre os que se negaram aos holofotes terrenos, sou sempre levado ao querido Chico Xavier, que diante de um elogio à sua “bondade”, teria se comparado ao charco lamacento, onde a bela flor encontra campo adequado para florescer. O mérito e a beleza — teria dito o Chico — são da flor, e não do charco. Se o Chico se considerava um charco e sempre fugia aos holofotes, que direito tenho eu de aspirar a qualquer homenagem?
Outra das obras básicas do Espiritismo, O Livro dos Médiuns, nos ensina claramente a manter distância das comunicações mediúnicas que insuflam o ego de colaboradores em particular. Aliás, nesse mérito somos instados a avaliar a intenção de tais comunicações, inclusive desconfiando de seus autores, mesmo que se identifiquem como conhecidos benfeitores espirituais. Se somos treinados para repelir os elogios individuais da espiritualidade, por que aceitá-los dos encarnados? Particularmente sou levado a questionar-me: com que direito poderia eu, à luz (ou, mais acertadamente, às trevas) de todos os meus erros ao longo das várias encarnações, aceitar as comendas e aplausos de meus semelhantes?
A situação me chama, ainda, a outra reflexão. Estou bem ciente de que de mim nada tenho a oferecer, e portanto não sou merecedor de qualquer homenagem que seja. Devo, então, praticar a caridade de não insuflar o ego de meus companheiros. É claro que a gratidão expressada no íntimo de um diálogo pessoal é questão até de educação, mesmo porque sabemos os sacrifícios que muitos companheiros realizam para se manterem nos trabalhos espíritas. Mas daí para criarmos verdadeiras “torcidas organizadas” em prol desses companheiros, exortando-s em público, e não perdendo oportunidade de lembrar-lhes as qualidades em quaisquer círculos que estejamos vai uma distância muito longa. A colaboradora de décadas têm em sua ficha longos serviços em prol do próximo? Um agradecimento pessoal é ótimo incentivo á continuidade no caminho do bem — no mais das vezes desnecessário, se tais serviços são prestados de coração e desinteressadamente—, mas a homenagem pública enquanto essa companheira se encontra ainda encarnada e em serviço na casa é exagero. O correligionário é profundo conhecedor da Doutrina, tendo extensa ficha de estudos e esclarecimentos, inclusive se fazendo reconhecer pela disseminação de conhecimentos Espíritas em seus escritos e palestras? O convite ao trabalho sob forma de oportunidades de espalhar seus conhecimentos é justo, mas a atribuição de características de suposta sabedoria superior, a tietagem, a elevação pública à categoria de benfeitores da casa é demonstração de cegueira por parte de quem incorre nessas atitudes. Até porque inconscientemente poderemos estar nos congratulando a nós mesmos por uma falsa superioridade da Casa Espírita a que estejamos ligados, uma vez que a mesma conta com tão proeminentes colaboradores.
Em ambos os exemplos dados acima — e em inúmeros outros que podemos conjurar — os colaboradores em questão são merecedores de nosso carinho, de nosso respeito e de nossa gratidão. Mas não devemos elevá-los a categorias superiores com nossas atitudes sob pena de perdermos de vista os objetivos de humildade inalienáveis da causa Espírita.
O reconhecimento pessoal e individual de um trabalho bem feito é incentivo à continuidade dos labores em benefício do próximo, mas a busca pelo elogio é sinal de fraqueza moral. Da mesma forma, reconhecimento discreto de nossos companheiros é caridade, mas a homenagem descabida é desequilíbrio.